quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

NOTURNO


Sozinho
nas ruas desertas
do velho Recife
que atrás do arruado
moderno ficou...
criança de novo
eu sinto que sou:

— Que diabo tu vieste fazer aqui, Ascenso?

O rio soturno,
tremendo de frio,
com os dentes batendo
nas pedras do cais,
tomado de susto
sem poder falar..
o rio tem coisas
para me dontar:

— Corrre senão o Pai-do-Poço te pega, condenado!

Das casas fechadas
e mal-assombradas
com as caras tisnadas
que o incêndio queimou
pelas janelas esburacadas
eu sinto, tremendo,
que um olho de fogo
medonho me olho:

– Olha que o Papa-Figo te agarra, desgraçado!

Dos brutos guindastes
de vultos enormes
ainda maiores
nessa escuridão...
os braços de ferro,
pesados e longos,
parece quererem
suster-me no chão!

Ai! Eu tenho medo dos guindastes,
Por causa daquele bicão!

Sozinho, de noite,
nas ruas desertas
do velho Recife
que atrás do arruado
moderno ficou...
criança de novo
eu sinto que sou:

— Larga de ser vagabundo, Ascenso!



"ASCENSO FERREIRA"
(1895-1965)

Poeta, Ascenso Carneiro Gonçalves Ferreira nasceu no município de Palmares, zona da Mata de Pernambuco. Em 1925, participa do Movimento Modernista de Pernambuco e, em 1927, publica seu primeiro livro, "Catimbó". Em 1941, publica o seu segundo livro ("Cana Caiana"). O terceiro livro ("Xenhenhém") está pronto para ser editado, mas só sairia em 1951, incorporado à edição de "Poemas", que foi o primeiro livro surgido no Brasil apresentando disco de poesias recitadas pelo seu autor - a edição continha, ainda, o poema "O Trem de Alagoas", musicado por Villa Lobos.

domingo, 7 de novembro de 2010

Marcos Vilaça é eleito novo presidente da ABL e defende união entre tradição e modernidade


A Academia Brasileira de Letras (ABL) tem novo presidente. O advogado pernambucano Marcos Vilaça foi eleito por unanimidade pelos 39 colegas de farda. Vilaça, que já presidiu a casa em 2006 e 2007, substitui Cicero Sandroni a partir do dia 17, quando toma posse.
Entre suas metas, a principal é promover na casa a união entre “tradição e progresso”, rendendo-se a ferramentas como o Twitter e os e-books. “Ou a gente faz essa mistura, ou a ABL fica para trás. Vamos buscar aliança com a juventude, ampliando a presença da internet e estimulando a leitura”, defende Vilaça.

BIOGRAFIA
Marcos Vinicios Rodrigues Vilaça (Nazaré da Mata, 30 de junho de 1939) é um advogado, jornalista, professor, ensaísta e poeta brasileiro.
Membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Pernambucana de Letras, da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasiliense de Letras e ex-ministro e presidente do Tribunal de Contas da União.
Filho único de Antônio de Souza Vilaça e Evalda Rodrigues Vilaça.
Principais atividades
. ex-Ministro e Presidente do Tribunal de Contas da União
•Professor de Direito Internacional Público na Universidade Federal de Pernambuco, desde 1964, e de Direito Administrativo (1967/1968)
•Professor de Direito Internacional Público na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pernambuco
•Professor de História Política, Econômica e Social do Brasil, na Faculdade de Filosofia do Recife
•Professor do Seminário Especial para Líderes Estudantes Brasileiros, co-patrocinado pela Universidade de Harvard - USA (1965)
•Professor de História do Brasil, no Ginásio de Limoeiro (Pernambuco)
•Diretor da Caixa Econômica Federal
•Membro do Conselho Diretor PIS-PASEP
•Secretário Executivo do Programa Especial de Módulos Esportivos - PEME
•Coordenador do "Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos - CSU" (Vinculado à SEPLAN - Presidência da República)
•Chefe da Casa Civil do Governo de Pernambuco
•Secretário de Estado do Governo de Pernambuco
•Assessor Jurídico da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco
•Secretário Particular do Presidente da República
•Presidente da Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA
•Membro do Conselho de Administração Financeira do SINPAS, do Ministério da Previdência e Assistência Social
•Curador da Fundação Nacional pró-Memória, do Ministério da Cultura , já tendo sido seu Presidente
•Membro do Conselho Diretor da Fundação Joaquim Nabuco (1966/1972, 1978/1984, 1984/1990), tendo ocupado, também, cargos na Procuradoria Jurídica e na Assessoria Especial
•Membro do Conselho de Administração da Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil
•Presidente da Fundação Nacional de Arte - FUNARTE
•Chefe da Assessoria Jurídica do Grupo Especial para a Nacionalização de Agro-Indústria Canavieira do Nordeste - GERAN (1969)
•Secretário da Cultura do Ministério da Educação e Cultura
•Membro do Conselho Federal de Cultura
•Presidente do Conselho Consultivo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Ministério da Cultura
•Membro do Instituto Hispano Luso Americano de Direito Internacional e da Associação Argentina de Direito Internacional
•Autor de livros com edições no Brasil, Itália, França, Inglaterra e Venezuela
•Condecorações nacionais e estrangeiras.


Na Academia Brasileira de Letras é o sétimo ocupante da cadeira 26. Foi eleito em 11 de abril de 1985, na sucessão de Mauro Mota, seu conterrâneo, e recebido em 2 de julho de 1985 pelo acadêmico José Sarney. Recebeu os acadêmicos Ariano Suassuna, Alberto da Costa e Silva e Marco Maciel. Foi seu presidente no biênio 2006/2007, tendo tomado posse em 15 de dezembro de 2005.



Na Academia Pernambucana de Letras é o primeiro ocupante da cadeira 35, tendo sido eleito em 30 de outubro de 1965, e tomado posse em 18 de novembro do mesmo ano, sendo atualmente o seu mais antigo membro. Foi seu presidente no biênio 1970/1972.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Concurso premia estudantes que fizerem trabalhos sobre Joaquim Nabuco


Prêmio será de R$ 5 mil para cada categoria. Serão avaliados textos sobre a vida do patrono do Poder Legislativo de Pernambuco.


As inscrições para o Concurso História Ilustrada: vida e obra de Joaquim Nabuco foram prorrogadas até 30 de setembro. A iniciativa, que faz parte das comemorações do Ano Nacional Joaquim Nabuco, é da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e Secretaria Estadual de Educação. O objetivo é premiar os melhores trabalhos realizados por estudantes dos Ensino Fundamental e Médio sobre o patrono do Poder Legislativo. Os resultados serão divulgados no dia 12 de novembro e a premiação será realizada no dia 19 do mesmo mês, no Engenho Massangana, no Cabo de Santo Agostinho, local onde Nabuco passou a infância.
O vencedor de cada categoria vai receber o prêmio em dinheiro, no valor de R$ 5 mil. Já as respectivas escolas deverão ganhar computadores que serem utilizados pelos alunos.
Para produzir textos ilustrados e inéditos, os estudantes devem explorar a trajetória de vida e a obra do pensador, político, escritor, jornalista, jurista, diplomata, historiador e abolicionista, que nasceu no século XIX e viveu até o início do século XX. As inúmeras biografias já escritas sobre o pernambucano registram as múltiplas facetas de um “cidadão do mundo e árduo defensor de ideais libertários.” Nabuco é ainda classificado como um dos mais inspiradores personagens históricos e fonte riquíssima de pesquisa.
Os trabalhos podem ser de autoria individual ou coletiva (de até três alunos) e conter no mínimo seis e, no máximo, dez páginas, em tamanho A4, no modo paisagem (horizontal). No quesito linguagem, os concorrentes podem usar a linguagem formal ou coloquial. Os textos podem ser manuscritos, datilografados ou digitados. As normas atuais da Língua Portuguesa, conforme recente Acordo Ortográfico entre os países que usam oficialmente o idioma, devem ser respeitadas. As ilustrações poderão ser feitas em diversas técnicas e tipos de traços. O formulário de inscrição, bem como as instruções para a elaboração dos trabalhos, está disponível no site da Fundaj: www.fundaj.gov.br.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Evocação do Recife


[…]
Me lembro de todos os pregões:
Ovos frescos e baratos
Dez ovos por uma pataca
Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
A vida com uma porção de coisas que eu não entendia bem
Terras que não sabia onde ficavam
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.


Manuel Bandeira



Sobre o Autor

Professor de literatura, crítico literário, tradutor brasileiro, o poeta e prosador recifense Manuel Bandeira (1886-1968) é um dos precursores do modernismo brasileiro, o que levou Mário de Andrade a mencioná-lo como "São João Batista do modernismo brasileiro". Eleito para a Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira 24, Manuel Bandeira foi sepultado no mausoléu da Academia, no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Novo IMORTAL da Academia Brasileira de Letras é pernambucano.


O diplomata e escritor Geraldo Holanda Cavalcanti, de 81 anos, é o novo ocupante da Cadeira 29 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A eleição secreta foi realizada na tarde desta quarta-feira (2), na sede da instituição, no Centro do Rio. Cavalcanti sucede o bibliófilo José Mindlin, que morreu em São Paulo no dia 28 de fevereiro deste ano.
Concorriam à vaga o advogado, escritor e Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau; o compositor e escritor Martinho da Vila; e o escritor, ensaísta e atual presidente da Biblioteca Nacional, Muniz Sodré.
A novo acadêmico recebeu 20 dos 39 votos possíveis. Em segundo ficou o candidato Eros Grau, com 10, seguido de Muniz Sodré, com 8. Um voto foi em branco e Martinho da Vila não foi votado.
"É um momento importante e comovente na minha vida. Sinto-me recompensado por meu trabalho literário, que desenvolvo há muitos anos. Ser membro da ABL é realmente uma grande satisfação. Mas também sei que, por ser uma instituição que promove várias atividades, vai me exigir muita dedicação", declarou o escritor, agora imortal, acrescentando que mantinha algum otimismo com relação ao resultado da votação.
"É muito difícil fazer qualquer tipo de previsão, pois o voto é secreto. Ao mesmo tempo, tenho muitos amigos por lá, conheço boa parte dos membros e sei de suas preferências. Por isso, tinha uma boa expectativa", revelou .
Diplomata e poeta
Nascido em 6 de fevereiro de 1929, o pernambucano graduou-se Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, em 1951. Diplomata por mais de quatro décadas, profissão a que dedicou a maior parte de seu tempo, serviu em Genebra, Washington, Moscou e Bonn, entre outras grandes cidades.
Seu pontapé inicial da literatura foi em 1964, com o livro de poesias "O Mandiocal de verdes mãos". Em 1998 foi publicada "Poesia reunida", coletânea de textos, entre inéditos e já divulgados, pelo qual conquistou o prêmio Fernando Pessoa, da União Brasileira de Escritores (UBE).
Em 2007 lançou seu primeiro livro de ficção "Encontro em Ouro Preto" (Record), obra finalista do Prêmio Jabuti 2008 na categoria "Melhor Livro de Contos e Crônicas". Este ano, pela mesma editora, publicou o livro de memórias "As desventuras da graça".
A Cadeira 29 foi fundada por Artur Azevedo, que escolheu como patrono Martins Pena, e ocupada posteriormente por Vicente de Carvalho, Cláudio de Souza e Josué Montello.

sábado, 15 de maio de 2010

UM POETA BELOJARDINENSE


ANTÔNIO ALBINO PINHEIRO MARINHO
( 1932 - 2007)

O poeta e jornalista Antônio Albino Pinheiro Marinho nasceu em maio de 1932, na cidade de Belo Jardim (PE). Iniciou-se no jornalismo em 1951, no Recife e nessa época já freqüentava grêmios e associações ligadas às letras e ensaiava criações literárias de vários gêneros. Em 1958 transferiu-se para São Paulo, a convite do jornal Última Hora, do qual foi, sucessivamente, redator, secretário gráfico, secretário de redação e editor, atuando tanto na primeira quanto na segunda edições. Simultaneamente atuou como redator free-lancer em diversas agências de publicidade, entre as quais a Interamericana e a Marcos Pereira Publicidade e atuou como secretário de redação do combativo semanário Brasil Urgente, desde sua fundação até seu fechamento em 1964.

A partir do início da década de 60, começou a criar letras de música, tendo diversos parceiros, principalmente sua mulher, Osinete Marinho, compositora de talento. Após 64, ficou ainda por algum tempo na Última Hora, tendo-se refugiado, depois, na publicidade, como redator da MPM Propaganda. Posteriormente, foi chefe de promoção e propaganda da Edobrás - Editora Documentação e Cultura. Voltou ao jornalismo em 1969 (exercendo a secretaria de redação da revista Banas), e participou, simultaneamente, de equipes de produção de programas de variedades da antiga TV Tupi. Em 73, assumiu a editoria geral do DCI - Diário do Comércio e Indústria, tendo comandado a reforma gráfica e editorial do jornal naquele ano.

Em 75, estava na chefia de reportagem da sucursal paulista de O Globo, onde ficou até setembro de 79, quando foi para a Unipress Assessoria de Imprensa e Divulgação como chefe de redação e, depois, no mesmo cargo, para a Unipress Editorial (do mesmo grupo), editando e/ou supervisionando a edição de vários jornais e revistas institucionais de empresas e entidades. Deixou a Unipress em 1990, passando a atuar como free-lancer de publicações diversas. Em maio de 1997 transferiu-se para Brasília onde, até janeiro de 2003, prestou serviço, como consultor na área de Comunicação, ao Ministério de Desenvolvimento Agrário e ao Incra - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

Em 2001 publicou pela Thesaurus Editora de Brasília, o livro de poesias Do Despertar da Lembrança. Lançou outros volumes de poesias: DO DESPERTAR DA DOR , ALGUNS POEMAS AMENOS, DO DESPERTAR DA LIBIDO. Além destes, preparou mas não sabemos se publicou: Pequenos Contos do Amor Proparoxítono; Os Contos Reportagens; e um romance ainda sem título.
Antônio Albino Marinho, dedicou-se à correção, revisão e copydesk de textos (principalmente livros) para editoras e autores da Capital da República.
Deixou-nos no dia 21 de abril, durante as festas de aniversário de Brasília. O poema a seguir foi escrito por João Carlos Taveira em homenagem a Antonio Albino Pinheiro Marinho.


ELEGIA PARA O POETA ANTÔNIO ALBINO

A cidade perdeu um habitante,
os pássaros perderam um irmão,
eu perdi um amigo.

Em versos cheios de desejo
e volúpia, Albino cantava o amor
com a alma de menino.

(Os homens são mesmo pouco metafísicos.
Ainda recordo sua têmpera
na estóica luta contra o tempo.)

Mas quem virá nos dizer da saudade
que hoje inaugura sua face de âmbar
no dorso desta ausência?

Livre, o poeta viaja e sonha
com amadas, musas, ninfas...

Sua palavra nos pertence!

João Carlos Taveira
Brasília, 23/4/2007.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

DILÚVIO


É noite enluarada, o céu está prateado,
E a minha pena sempre vigilante
Logo se inquieta, e as palavras bordando
O branco do papel, dão-lhe cor vibrante.

A pena segue como um rio, serpeante...
Em cada traço vejo seu corpo ondulado.
Percorro seus montes, aclives excitantes...
Perco-me na sua geografia, fico aloucado.

Nessa indigestão mental de sentimentos
Ardendo de desejos e loucos delírios,
Divido com a lua e a poesia, os lamentos!

E sob a luz do luar, e das rosas, o eflúvio
Derramei os meus versos, portentos?
Não sei! Sei que vieram como um dilúvio!

 


Diná Fernandes - João Pessoa-PB

quinta-feira, 18 de março de 2010

PAIXÃO ARDENTE



Quando se aproximas de mim,
Meu corpo queima de desejo,
Sinto o fogo do amor
Anseio momentos ousados de prazeres.

Quero ter em tua boca beijos ardentes,
Nas tuas mãos, fortes carícias
No teu suor ansiedade de me ter
E no teu corpo o desejo de me consumir.

Quero viajar nas ondas da paixão
Nos teus braços me banhar de prazer
E por fim satisfazer, esse desejo
Que me queima e me consome.




Poema recitado pela autora Janaína Cavalcante, durante a 28ª reunião da Academia Belojardinense de Letras e Artes, no distrito de Serra do Vento.

terça-feira, 9 de março de 2010

A MULHER DESTE BRASIL !


A mulher deste Brasil
É a flor que floresce
Acorda debaixo deste céu de anil
Vivendo uma aventura, não esquece
Trabalha neste chão varonil
É esta a mulher do meu Brasil.

A mulher deste Brasil
É muito especial
É de personalidade varonil
Seu amor é sem igual.

A mulher deste Brasil
Tem um sonho altaneiro
Se destaca entre mil
Com seu coração brasileiro.


Autor: Hazelpony, 10 anos, poema recitado na 28ª reunião da Academia Belojardinense de Letras e Artes.

VAMOS À LUTA .


Vamos à luta, meu amigo,
Que a ociosidade é a ferrugem.

Vamos ver o que há para fazer

O mais breve possível, o quanto antes.

O combate é agora, suportemos;
A vitória é nossa, esperemos.
Não sejamos receosos de viver,
Que a vida é a chama do amor.

Não tenhamos indolência no agir,

Que a ação é o sal que dá sabor.

Levantemos, comecemos sem demora,

Que cada minuto que passa,

Temos nós menos tempo pra lutar.

Que os passos que damos diariamente

Se movam para a (re)construção.

Que as mãos abertas do mais forte

Não apanhe pedras para arremessar.

Que a casa do artista do viver

Seja o vale, seja a serra, seja o mar.



Raimundo de Oliveira- membro da Academia Belojardinense de Letras

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mulher da vida, minha irmã

Mulher da Vida, minha Irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades e
carrega a carga pesada dos mais
torpes sinônimos,
apelidos e apodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à-toa.
Mulher da Vida, minha irmã.
Pisadas, espezinhadas, ameaçadas.
Desprotegidas e exploradas.
Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito.
Necessárias fisiologicamente.
Indestrutíveis.
Sobreviventes.
Possuídas e infamadas sempre por
aqueles que um dia as lançaram na vida.
Marcadas. Contaminadas,
Escorchadas. Discriminadas.
Nenhum direito lhes assiste.
Nenhum estatuto ou norma as protege.
Sobrevivem como erva cativa dos caminhos,
pisadas, maltratadas e renascidas.
Flor sombria, sementeira espinhal
gerada nos viveiros da miséria, da
pobreza e do abandono,
enraizada em todos os quadrantes da Terra.
Um dia, numa cidade longínqua, essa
mulher corria perseguida pelos homens que
a tinham maculado. Aflita, ouvindo o
tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras,
ela encontrou-se com a Justiça.
A Justiça estendeu sua destra poderosa e
lançou o repto milenar:
“Aquele que estiver sem pecado
atire a primeira pedra”.
As pedras caíram
e os cobradores deram s costas.
O Justo falou então a palavra de eqüidade:
“Ninguém te condenou, mulher...
nem eu te condeno”.
A Justiça pesou a falta pelo peso
do sacrifício e este excedeu àquela.
Vilipendiada, esmagada.
Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.
Na fragilidade de sua carne maculada
esbarra a exigência impiedosa do macho.
Sem cobertura de leis
e sem proteção legal,
ela atravessa a vida ultrajada
e imprescindível, pisoteada, explorada,
nem a sociedade a dispensa
nem lhe reconhece direitos
nem lhe dá proteção.
E quem já alcançou o ideal dessa mulher,
que um homem a tome pela mão,
a levante, e diga: minha companheira.
Mulher da Vida, minha irmã.
No fim dos tempos.
No dia da Grande Justiça
do Grande Juiz.
Serás remida e lavada
de toda condenação.
E o juiz da Grande Justiça
a vestirá de branco em
novo batismo de purificação.
Limpará as máculas de sua vida
humilhada e sacrificada
para que a Família Humana
possa subsistir sempre,
estrutura sólida e indestrutível
da sociedade,
de todos os povos,
de todos os tempos.
Mulher da Vida, minha irmã.

Cora Coralina

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Meu Carnaval é de Cinzas

TEMPO em que sinto-me algo estranho, deslocado,
Pois se vivo o ano todo, a vida toda a sorrir,
Por que haveria, bem agora, de fazer diferente,
Já que contrariar é a regra, quando regra não há?

Feriado em que pareço bem mais sério, calado,
Pois se passo os dias, a cada dia como sendo único,
Por que teria, justo hoje, de ser de outro jeito,
Já que o irreal é o real, quando realidade não há?

Reinado de Momo, Baco tropical sem bagos, nem uvas,
Cercado, de fato, por rainhas e princesas efêmeras,
Cujos pés e passos não param, frenéticos, há horas,
Cobertas de prata, banhadas em suor, desejos e aplausos .

Início do fim de longa hibernação, letargia coletiva,
Marca, na prática, o começo de um ano já não inteiro,
De cumprir-se as promessas esquecidas há dois meses,
Vestidas de branco, regadas a licor, brindes e borbulhas.

Meu Carnaval é de Cinzas, do grito à quarta-feira derradeira,
Meu Ano Novo atrasado, há várias semanas parado, incerto e preguiçoso,
Pois não me basta estar palhaço, rei ou otimista só por três dias,
Quero rir, reinar e viver todos os dias, ser eu mesmo e mais ninguém!



Milford Maia

domingo, 31 de janeiro de 2010

Nós, escravocratas

Há exatos cem anos, saía da vida para a história um dos maiores brasileiros de todos os tempos: o pernambucano Joaquim Nabuco. Político que ousou pensar, intelectual que não se omitiu em agir, pensador e ativista com causa, principal artífice da abolição do regime escravocrata no Brasil.
Apesar da vitória conquistada, Joaquim Nabuco reconhecia: “Acabar com a escravidão não basta. É preciso acabar com a obra da escravidão”, como lembrou na semana passada Marcos Vinicios Vilaça, em solenidade na Academia Brasileira de Letras.
Mas a obra da escravidão continua viva, sob a forma da exclusão social: pobres, especialmente negros, sem terra, sem emprego, sem casa, sem água, sem esgoto, muitos ainda sem comida; sobretudo sem acesso à educação de qualidade.
Ainda que não aceitemos vender, aprisionar e condenar seres humanos ao trabalho forçado pela escravidão – mesmo quando o trabalho escravo permanece em diversas partes do território brasileiro –, por falta de qualificação, condenamos milhões ao desemprego ou trabalho humilhante.
Em 1888, libertamos 800 mil escravos, jogando-os na miséria. Em 2010, negamos alfabetização a 14 milhões de adultos, negamos Ensino Médio a 2/3 dos jovens. De 1888 até nossos dias, dezenas de milhões morreram adultos sem saber ler.
Cem anos depois da morte de Joaquim Nabuco, a obra da escravidão se mantém e continuamos escravocratas.
Somos escravocratas ao deixarmos que a escola seja tão diferenciada, conforme a renda da família de uma criança, quanto eram diferenciadas as vidas na Casa Grande ou na Senzala.
Somos escravocratas porque, até hoje, não fizemos a distribuição do conhecimento: instrumento decisivo para a liberdade nos dias atuais.
Somos escravocratas porque todos nós, que estudamos, escrevemos, lemos e obtemos empregos graças aos diplomas, beneficiamo-nos da exclusão dos que não estudaram. Como antes, os brasileiros livres se beneficiavam do trabalho dos escravos.
Somos escravocratas ao jogarmos, sobre os analfabetos, a culpa por não saberem ler, em vez de assumirmos nossa própria culpa pelas decisões tomadas ao longo de décadas. Privilegiamos investimentos econômicos no lugar de escolas e professores.
Somos escravocratas, porque construímos universidades para nossos filhos, mas negamos a mesma chance aos jovens que foram deserdados do Ensino Médio completo com qualidade.
Somos escravocratas de um novo tipo: a negação da educação é parte da obra deixada pelos séculos de escravidão.
A exclusão da educação substituiu o sequestro na África, o transporte até o Brasil, a prisão e o trabalho forçado. Somos escravocratas que não pagamos para ter escravos: nossa escravidão ficou mais barata e o dinheiro para comprar os escravos pode ser usado em benefício dos novos escravocratas. Como na escravidão, o trabalho braçal fica reservado para os novos escravos: os sem educação.
Negamo-nos a eliminar a obra da escravidão.
Somos escravocratas porque ainda achamos naturais as novas formas de escravidão; e nossos intelectuais e economistas comemoram minúscula distribuição de renda, como antes os senhores se vangloriavam da melhoria na alimentação de seus escravos, nos anos de alta no preço do açúcar.
Continuamos escravocratas, comemorando gestos parciais. Antes, com a proibição do tráfico, a lei do ventre livre, a alforria dos sexagenários. Agora, com o bolsa família, o voto do analfabeto ou a aposentadoria rural. Medidas generosas, para inglês ver e sem a ousadia da abolição plena.
Somos escravocratas porque, como no século XIX, não percebemos a estupidez de não abolirmos a escravidão. Ficamos na mesquinhez dos nossos interesses imediatos negando fazer a revolução educacional que poderia completar a quase-abolição de 1888.
Não ousamos romper as amarras que envergonham e impedem nosso salto para uma sociedade civilizada, como, por 350 anos, a escravidão nos envergonhava e amarrava nosso avanço.
Cem anos depois da morte de Joaquim Nabuco, a obra criada pela escravidão continua, porque continuamos escravocratas. E ao continuarmos escravocratas, não libertamos os escravos condenados à falta de educação.

Cristovam Buarque, ex-reitor da UnB, é senador pelo DF.